Bandidos do novo cangaço tentam se instalar em Goiás para ataque a bancos

Veja como funciona o mecanismo dos grupos criminosos que tentam dominar regiões que circundam o Distrito Federal na prática de grandes assaltos a bancos. Forças policiais montam estratégias para combatê-los

Bandidos do novo cangaço tentam se instalar em Goiás para ataque a bancos
Policiamento na divisa do DF para GO contra o tráfico de drogas e armamento - Foto: Ed Alves/Correio Braziliense

Roubos a bancos, a empresas de valores e a carro forte estão entre as prioridades do chamado "novo cangaço", expressão usada para definir a ação de quadrilhas fortemente armadas que atuam no interior do país — uma alusão ao movimento que ficou famoso no começo do século 20, principalmente no Nordeste. No Entorno do Distrito Federal, em Goiás, criminosos de alta periculosidade ocupam chácaras na tentativa de criar bases para o planejamento de ataques e assaltos. A ousadia dos bandos institui ainda o "domínio de cidades", alastrando terror à população. Esta reportagem traz detalhes de como agem grupos que tentam avançar por regiões goianas, mas se esbarram nas forças de segurança. Só este ano, entre abril e outubro, pelo menos 14 homens suspeitos de planejar ataques criminosos morreram em confrontos com a Polícia Militar goiana.

Ações nos moldes do novo cangaço ocorreram em várias regiões do país, como o ataque em Araçatuba (SP), em 2021, que deixou três mortos e cinco feridos, e em Confresa (MT), onde 15 homens invadiram a cidade fortemente armados com fuzis para assaltar uma empresa de transporte de valores. O caso ocorreu em abril deste ano. O modus operandi costuma ser semelhante. Armados, eles invadem o município, usam explosivos, fazem reféns e a atuação pode levar dias até toda a situação ser controlada pelas forças policiais.

Apesar de Goiás não registrar fatos com perfis semelhantes aos de Araçatuba e Confresa, os bandos tentam avançar na prática de crimes contra instituições financeiras. O estado é marcado pelo grande número de chácaras, longe do centro urbano e com pouca vizinhança. Os bandos se interessam por essas áreas e alugam imóveis na tentativa de montar bases de operação, como ocorreu em Luziânia, em 2021 e em abril deste ano. Resultado disso foi a morte de 14 criminosos que entraram em confronto com a Polícia Militar (PMGO).

A extensa malha viária de Goiás também desperta o interesse desses grupos pela região. O estado conta com 87.996km de rodovias (federais, estaduais e municipais) e faz divisa com DF, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Minas Gerais e Bahia.

O governo de Goiás contabilizou, de 2016 a 2018, 22 crimes do novo cangaço no Estado. A partir de 2019, o delito desapareceu do mapa goiano. Naquele mesmo ano, as forças de segurança desencadearam 13 operações para desarticular quadrilhas especializadas nas cidades de Anápolis, Bela Vista, Carmo do Rio Verde, Itaberaí, Goiânia, Goianira, Luziânia, Minaçu, Pires do Rio, Vianópolis e até Uberlândia, no interior de Minas Gerais. Mas as tentativas são inúmeras e recorrentes.

Potencial ostensivo

O Correio conversou com o capitão Gabriel Moreira, supervisor operacional do Comando de Operações de Divisas da Polícia Militar do Estado de Goiás (COD/PMGO). Criado em 2012, o COD é especializado no combate a ações criminosas de maior potencial ofensivo, como o tráfico de armas, de drogas, roubo de cargas, roubo a instituições bancárias, contrabando, descaminho, entre outros. O capitão explica como agem os criminosos do novo cangaço. O primeiro passo é eleger um local aparentemente vulnerável à segurança. "Eles acampam, estudam a rotina do lugar, das instituições financeiras e até dos policiais. Um dos objetivos é contar com o apoio da população local. São pessoas que costumam passar informações a esses grupos, como o fluxo da polícia", afirma.

Em determinados casos, funcionários de bancos são cooptados pelas quadrilhas para disponibilizar informações privilegiadas, como, por exemplo, o montante financeiro e horário mais viável para o cometimento do crime. Os bandos chegam, inclusive, a implementar serviços de inteligência no planejamento dos ataques.

Criminosos não medem esforços para a contratação dos batedores, função essa ocupada por pessoas que, aparentemente, não chamariam a atenção da polícia nas blitze. Eles funcionam como um pré-aviso para aqueles criminosos que trazem os carregamentos de drogas. Eles vêm em um veículo à frente de outros, a fim de avisar o motorista sobre as fiscalizações.

O Correio Braziliense esteve na GO-521, no Jardim ABC, na Cidade Ocidental, e acompanhou uma blitz feita pelo COD. O capitão explica que a rodovia requer pontos de bloqueios frequentes, justamente por ser uma rota escolhida pelas quadrilhas para o transporte de drogas, armas, munições e explosivos. O tenente Arantes, também do COD, afirma que a região Leste de Goiás, que abrange municípios do Entorno, como Luziânia e Cristalina, são zonas de preferência. "Fazemos um estudo de mapeamento, com base nas ocorrências, quais são os trajetos que eles passam. Acreditamos que a escolha é por ser um ponto estratégico de entrada para outras unidades da federação."

Migração

O caso mais recente envolvendo uma suspeita de ataque a carros fortes em Goiás ocorreu em outubro e terminou com a morte de José do Carmo Silvestre, o Pintado, 54 anos. Ele era considerado um criminoso de alta periculosidade e, por pouco, não integrou a lista do Ministério da Justiça de criminosos mais procurados do país. Membro do Primeiro Comando da Capital (PCC), era requisitado pela organização criminosa para cometer assaltos a bancos.

Como um mochileiro, o faccionado, que morava em Brasília, viajava para várias regiões do país para o cometimento de crimes e acumulou passagens criminais na Bahia, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Um dos ataques orquestrados por ele ocorreu em 1999, no Banco do Brasil do Rio de Janeiro. Segundo informações colhidas na época, o supervisor de segurança, uma mulher e o filho foram mantidos como reféns. Os bandidos fugiram levando R$ 1,1 milhão, 52 armas e uniformes dos agentes de segurança.

Depois de quase 12 anos foragido, Pintado foi preso na Bahia, em 2020. O Correio Braziliense teve acesso ao inquérito policial com depoimentos de testemunhas. Policiais que participaram da operação relataram que receberam informações sobre a hospedagem de um homem de alta periculosidade em um flat de Salvador localizado de frente ao mar. Após uma campana, os PMs prenderam José do Carmo na orla da praia. Ele se apresentou com outro nome e, na delegacia, negou envolvimento com qualquer tipo de crime. À época, os militares apreenderam pistola, documentos falsos, carregadores e celulares.

Na noite de 10 de outubro, Pintado morreu ao entrar em confronto com policiais da Rotam de Goiás, em Luziânia. Em um carro, ele levava arma, colete balístico, jammer (aparelho de cortar sinal de comunicação) e artefatos explosivos. Fontes ligadas à investigação contaram que o faccionado se juntaria a outros membros do grupo e o plano era atacar carros fortes nas cidades de Cristalina e Catalão, em Goiás, e a mineira Paracatu. A reportagem entrou em contato com a irmã de Pintado. Ela falou que não tinha notícias do irmão há tempos.

Confrontos

Uma chácara do Novo Gama serviu como base para um bando de ao menos 12 homens, em abril deste ano. Ao longo de três meses, os criminosos de Goiás, DF, Maranhão e Piauí planejaram um assalto em um pedágio de Cristalina. Sete deles morreram durante um confronto com a polícia. No imóvel, alugado por eles, foram apreendidos motos e carros roubados, quatro revólveres calibre 38mm, duas pistolas 9mm, uma pistola .380, quatro armas de cano longo, explosivos, luvas, máscaras, miguelito e alavancas.

Semelhante a esse caso, em 2021, outros sete suspeitos morreram em um confronto, em Luziânia, e um soldado da PMGO foi baleado na perna. À época, o Correio Braziliense esteve na chácara alugada pelos suspeitos. Foram apreendidas oito armas, um bloqueador de sinal, duas máquinas de cartão de crédito e máscaras.

Em 31 de outubro, um PM da reserva da Bahia e um comparsa foram capturados e mortos em um confronto com o COD. A dupla, que morava em Jacobina, na Bahia, traçou uma rota em Goiás para chegar em Minas Gerais, o destino final. A intenção era buscar um carregamento de armas e drogas, segundo as investigações. Em uma Hilux, Ubirajara Ferreira de Requião, 49, e Bernardino Nunes de Lima Neto, 48, levavam 23 tabletes de drogas e três armas de fogo. A informação era que os dois integravam uma organização criminosa e iriam para uma base do grupo, em Uberlândia. Os dois acusados não tinham, aparentemente, relação com o novo cangaço.

Na Bahia, Ubirajara era temido e conhecido como o "Terror do Sertão" por estar por trás de homicídios contra rivais. Bernardino também acumulava passagens e foi o responsável por articular, em 2017, um assalto ao Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob) de Serrolândia (BA) e levar mais de R$ 128 mil. Bernardino chegou a trabalhar em uma transportadora de valores e como vigilante de um banco. Em 2017, no cargo de vigilante, ele orientou uma quadrilha para o roubo no Sicoob. Outras cinco pessoas foram presas na época.

No começo de junho deste ano, quatro homens se juntaram para atacar instituições financeiras nas cidades de Piracanjuba, Morrinhos, Professor Jamil e Pontalina, em Goiás. A equipe do capitão Ribeiro foi a responsável por abordar o grupo, que atirou contra a PM. Os militares revidaram e os quatro, identificados como Arthur Duarte, Kaio Felipe, Edson Elias e Marcos Vinícius dos Santos, morreram. Áudios obtidos pela reportagem revelam a audácia dos criminosos. Em um deles, um dos envolvidos disse: "Vamos ver se a gente pega e rende os guardas e arranca os dois 38 (armas) ou se vamos explodir aquele trem". Outro diz: "Se der errado, pode deixar o caixão pago".

Perfis

O delegado titular do Grupo Antirroubo a Banco (GAB)/Deic, da Polícia Civil do Estado de Goiás, Eduardo Gomes, detalha os perfis das organizações e associações criminosas. Nem todas elas têm atributos do novo cangaço. "São perfis diferentes e modos de agir diferentes. Por exemplo, quadrilhas de furtos de Caixeiros do Sul atuam na surdina à noite, entram nas agências, cortam caixas, levam dinheiro e vão embora, sem utilizarem armas ou explosivos."

O monitoramento da Polícia Civil em torno desses grupos é ininterrupto e busca evitar que crimes dessa modalidade ocorram. Na PCGO, o trabalho do GAB não se concentra apenas em Goiás. São operações que ultrapassam as rodovias goianas e alcançam outros estados, justamente para ofender esse tipo de criminoso. "Na maioria das vezes em que ocorre, ou ocorreu, realmente são criminosos de outros estados. Por isso, fazemos um acompanhamento de ocorrências fora de Goiás, uma vez que, em dado momento, queiram vir para o estado".

Fonte: Correio Braziliense