Gorbachev “matou” o comunismo na União Soviética ao tentar salvá-lo da estagnação
O projeto do líder soviético era introduzir alguma democracia com o objetivo de salvar o comunismo, deixando de notar a incompatibilidade entre a democracia e o regime red
Por que Mikhail Gorbachev caiu em 1991? Talvez por ter acreditado que seria possível “democratizar” o país e, ainda assim, manter o comunismo (“armadilha” na qual a China não caiu, conseguindo fazer a economia crescer, numa espécie de socialismo de mercado, sem deixar de manter a ditadura de esquerda). Democracia e comunismo são incompatíveis. Se o comunismo viceja, a democracia fenece. Se a democracia prevalece, o comunismo não sobrevive.
Portanto, Gorbachev caiu porque quis, por assim dizer, criar uma democracia à russa — uma, talvez, democradura. Não deu certo. A abertura (glasnost) e a perestroika (reestruturação da economia) mostraram aquilo que os comunistas não queriam ver: o sistema não tinha como sobreviver, ao menos não numa sociedade aberta.
Gorbachev, a rigor, não queria “matar” o comunismo, e sim fortalecê-lo, tornando-o mais dinâmico e aberto. Porém, ao “abrir” o país — composto de várias nações —, Gorbachev perdeu o controle, digamos, da história e, de algum modo, foi atropelado por ela. Pode-se sugerir que, de médico, se tornou coveiro do “paciente” e de si próprio. E não deixa de ser curioso que é mais bem-visto no Ocidente do que na Rússia.
A história do líder soviético, contada por ele mesmo, está no livro “Minha Vida” (Amarilys, 527 páginas, tradução de Júlio Sato e Rodrigo Botelho). “Gorbachev — A Biografia” (Desassossego, 864 páginas), de William Taubman (ganhador do Pulitzer), é um estudo exaustivo da vida do homem que “destruiu” — como insider — o comunismo ao tentar salvá-lo da ruína.
Era Gorbachev — que morreu na terça-feira, 30, aos 91 anos — um estadista, um grande homem, à Winston Churchill e Franklin D. Roosevelt? Era e a história certamente lhe fará justiça. Sua morte vai possibilitar julgamentos mais nuançados, quiçá.
A queda russa e a visão americana
O historiador Serhii Plokhy, no livro “O Último Império — Os Últimos Dias das União Soviética” (Leya, 543 páginas, tradução de Luiz Antônio Oliveira, reduz a influência americana na queda da URSS. O professor de Harvard não endossa a tese de que os Estados Unidos de Ronald Reagan foram decisivos para a queda do comunismo.
Plokhy “questiona a interpretação triunfalista que vê no colapso soviético uma vitória americana na Guerra Fria”. Novos documentos “mostram com uma clareza sem precedente que o próprio presidente [George Bush, pai] e seus assessores muito contribuíram para prolongar a vida da União Soviética, preocupados com a ascensão do futuro presidente russo Boris Yeltsin, com o ímpeto independentista dos dirigentes das outras repúblicas soviéticas e com a possibilidade de que, quando a União Soviética desaparecesse, a Rússia quisesse dominar sozinha todo o arsenal nuclear soviético e mantivesse sua influência no espaço pós-soviético, especialmente nas repúblicas da Ásia Central”.
Utilizando documentos do governo americano, Plokhy sublinha que “a Casa Branca tentava salvar Gorbachev, que considerava seu principal parceiro no cenário mundial, e estava disposta a tolerar o prolongamento da existência do Partido Comunista e do Império Soviético a fim de atingir essa meta. Sua principal preocupação não era a vitória da Guerra Fria, que já terminara efetivamente, e sim a possibilidade de eclosão de uma guerra civil na União Soviética, que já ameaçava transformar o antigo império tzarista numa ‘Iugoslávia com ogivas nucleares”.
O historiador enfatiza que “a corrida armamentista perdida, o declínio econômico, a ressurgência democrática e a falência dos ideais comunistas, ainda que tenham contribuído para a implosão da União Soviética, não predeterminaram sua desintegração, causada pelos fundamentos imperiais, pela composição multiétnica e pela estrutura pseudofederal do Estado soviético, fatores cuja importância nem os estrategistas americanos em Washington nem os assessores de Gorbachev em Moscou reconheceram plenamente”.
Com informações do Jornal Opção