Nomes escritos nos corpos de crianças em Gaza revelam medo de bombardeios
Crianças encontradas no hospital de Al-Aqsa tinham os nomes escritos nas pernas; pais temiam que seus filhos não fossem identificados em caso de ataques aéreos na região
Corpos de três crianças encontrados numa bandeja de aço dentro do que parece ser o necrotério de um hospital em Gaza revelam algo escrito em suas pernas, que tinham um lado das calças levantadas.
“Os pais escreveram os nomes de seus filhos nas pernas e no abdômen”, disse Abdul Rahman Al Masri, chefe do departamento de emergência do Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, à CNN. Segundo ele, o receio dos pais era de que “tudo poderia acontecer” e as crianças poderiam não ser identificadas.
“Isso significa que eles sentem que são alvos a qualquer momento e podem ser feridos ou martirizados”, acrescentou Al Masri.
A tinta preta é um pequeno sinal do medo e do desespero sentidos pelas famílias na região, que segue sob ataques aéreos constantes de Israel desde os ataques do grupo radical islâmico Hamas, em 7 de outubro.
Sem se identificar, ele disse à CNN que o número de mortos de sábado (21) para domingo (22) passou de 200 no território.
“O que notamos hoje é que muitos pais escrevem os nomes dos filhos nas pernas para que possam ser identificados após ataques aéreos e caso se percam. Este é um fenômeno novo, que acaba de começar em Gaza”.
“Muitas crianças estão desaparecidas, muitas chegam aqui com o crânio quebrado e é impossível identificá-las, exceto por meio dessa escrita”.
Nas últimas duas semanas, centenas de crianças foram retiradas dos destroços de edifícios em ruínas atingidos por ataques aéreos naquele que é um dos locais mais densamente povoados do mundo — muitas delas irreconhecíveis devido aos ferimentos.
Enquanto Israel mantém um “cerco completo” a Gaza e os suprimentos cruciais ficam perigosamente baixos, os médicos nos hospitais locais foram forçados a operar sem analgésicos, de acordo com a organização Médicos Sem Fronteiras.
Leo Cans, chefe da operação da entidade em Jerusalém, disse à CNN nesta segunda-feira (23) que a diminuição dos fornecimentos significava que as operações cirúrgicas estavam a decorrer “sem a dose correta de narcóticos, sem a dose correta de morfina”.
“O controle da dor não acontece. Temos pessoas sendo operadas sem morfina. Aconteceu com duas crianças”, disse Cans. “Temos muitas crianças que infelizmente estão entre os feridos. Eu estava conversando com um de nossos cirurgiões, que recebeu ontem um menino de 10 anos, queimado em 60% da superfície corporal, e ele não acabou tomando analgésicos”.
“Não há nenhuma justificativa para impedir que esses medicamentos essenciais cheguem à população”, prosseguiu.
Ele classificou como “terríveis” os relatos de que os pais de Gaza recorreram à escrita dos nomes dos seus filhos nos seus corpos, no caso de eles ou as crianças serem mortos, e acrescentou que colegas lhe disseram que as famílias dormiam no mesmo quarto porque “queriam viver juntas ou morrer juntas”.
Os profissionais de saúde relatam ainda o impacto da escassez de combustível: “O combustível é essencial para as estações de tratamento de água. Se não tivermos combustível, não temos água de qualidade”, disse Cans, acrescentando que muitos agora bebem água não tratada, o que provoca surtos de diarreia.
Em um vídeo divulgado pelo Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, no domingo, Fu’ad al-Bulbul, chefe da unidade do departamento neonatal do hospital Al-Shifa, em Gaza, alertou que a maioria das crianças sob os seus cuidados morreriam se o combustível acabasse.
“Se a energia elétrica for cortada, ocorrerão eventos catastróficos dentro desta unidade. A maioria dos bebês que dependem de ventiladores morrerão porque só poderemos salvar um, dois bebês. Não todos”, disse.
Seu departamento abriga 45 incubadoras e cuida predominantemente de bebês prematuros, resultantes de gestações de alto risco.
Hospitais em crise
Os hospitais também estão próximos de ficar sem medicamentos, água e eletricidade, enquanto centenas de palestinos feridos continuam a procurar tratamento, disseram médicos e profissionais de saúde em Gaza à CNN.
Mais de 300 pessoas procuraram ajuda no Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, em Deir el-Balah, Gaza, depois que Israel lançou bombas nas proximidades, na noite de sábado, disse o Dr. Iyad Issa Abu Zaher, diretor geral do hospital. A situação tornou-se “catastrófica”, avaliou.
“É impossível para qualquer hospital do mundo admitir esse número de feridos. Não há quartos ou leitos hospitalares para essas lesões. Os feridos ficam à porta das salas de operações e uns em cima dos outros, cada um à espera da sua vez de ser operado”, lamentou.
Israel declarou um “cerco total” a Gaza há duas semanas em resposta à invasão da organização terrorista, bombardeando o enclave com ataques aéreos e bloqueando o acesso de toda a população a alimentos, água e energia.
Pelo menos 1.400 pessoas, a maioria delas civis, foram mortas no ataque do Hamas, o pior massacre de judeus desde o Holocausto, e mais de 200 foram feitos reféns. Já em Gaza, o número de mortos desde 7 de outubro passou de 4.650, com mais de 14.245 feridos, segundo o Ministério da Saúde palestino.
Desde então, os hospitais têm enfrentado enormes desafios, desde cuidar do número esmagador de feridos, até o acesso a fornecimentos médicos que salvam vidas, à medida em que as bombas caem e os geradores ficam sem combustível.
Os primeiros comboios de ajuda humanitária foram autorizados a entrar em Gaza vindos do Egito no fim de semana, mas nenhum dos 34 veículos que atravessaram a passagem de Rafah transportava combustíveis.
Gaza tem mais de 7.200 caminhões de ajuda aquém do que normalmente teria sido entregue entre 7 e 22 de Outubro, sugerem os cálculos da CNN.
O território recebe normalmente 455 veículos de ajuda por dia, disse a Organização das Nações Unidas (ONU), o que significa que deveriam ter chegado 7.280 caminhões nesses 16 dias. Por outras palavras, Gaza recebeu menos de 1% do montante de ajuda habitual.
Grupos humanitários também sublinharam que o que foi entregue no fim de semana não chegou nem perto do que é necessário: “É apenas um pequeno começo e está longe de ser suficiente”, disse a Organização Mundial da Saúde (OMS) em comunicado no sábado.
No domingo, a agência da ONU que ajuda os refugiados palestinos advertiu que suas reservas de combustível chegariam ao fim em três dias.
Fonte: CNN Brasil